A mulher que muito amou

(Por Rodrigo Damasio)

Amados, este texto que hoje escrevo dentro de um avião a caminho da JMJ é possivelmente o mais significativo que fiz até então por tratar de uma amiga do céu muito especial: Santa Maria Madalena.
Na virada desse ano em adoração na comunidade Shalom eu fui com o coração ansioso tirar o meu santo padrinho do ano e qual não foi minha surpresa ao ver a Madalena, alguém tão diferente de todas as minhas expectativas (que vinha contando com Nossa Senhora ou Teresa d'Ávila) e que eu à primeira vista não soube apreciar por achar que ela não era tão "santa" quanto eu gostaria (ou quanto eu quero ser), mas ela veio se mostrando ao longo desse ano como o presente mais precioso na descoberta do meu chamado ao carisma Shalom.
Na tradição da Igreja, Maria Madalena é identificada como a pecadora que chorou aos pés de Jesus, como aquela de quem foram expulsos sete demônios e também como irmã de Marta e Lázaro (além é claro das referências específicas) e é partindo desse referencial que vamos falar de Maria.
Certamente o ponto de partida de Maria não podia ser outro que não os pés de Jesus. A Madalena não almejou nada mais do que estar ali aos pés de Jesus e chorar, derramar-se em arrependimento pelo que tinha sido sua história, por tantos caminhos errados, simplesmente amar a Jesus sem nem mesmo ter certeza ainda de quem ao certo Ele era, sem nada esperar. Nesse lugar a vida de Maria é atingida de maneira fulminante pelo amor e pela misericórdia de Jesus, a ternura do olhar do Cristo restaura a sua dignidade, tudo aquilo que ela julgava ter perdido, e também nesse lugar ela é convidada a se erguer para uma vida nova, para viver um novo amor, uma esponsalidade que nascia aos pés de seu amado Rabi para transformar sua vida. Desse ponto em diante, Maria Madalena vai transformar a experiência do amor numa decisão de vida, afinal, o deleite da alma esposa é servir o seu esposo com tudo o que tem. O amor esponsal com o qual o coração de Maria foi inflamado gerou uma vida de serviço a Jesus e aos discípulos, uma vida não mais orientada para si mesma, mas tão somente para seu Amado.
Em casa de Lázaro, veremos mais um belo ponto da esponsalidade de Madalena na sua amizade com Jesus, na escuta atenta e amorosa das palavras do Rabi que para o seu coração era o mais doce dos manjares. Quando questionada por Marta, o próprio Jesus se encarrega de explicar que Ele é o sentido da vida e que Maria não seria furtada do seu sentido, do seu Amado para fazer o que fosse menos importante. Ainda nessa mesma casa, em ocasião da morte de Lázaro, vamos ver não algo que parte de Maria, mas do próprio Jesus que chora juntamente com aqueles que ama pela morte de seu amigo, Ele que é mestre e Senhor chora as nossas dores. Por último, veremos Maria já nas primícias da paixão em sua casa em Betânia a ungir a cabeça de Jesus com seu mais precioso perfume, ofertando ao seu Rabi Amor aquilo que tinha de mais valioso, se derramando por inteiro por Ele.
O amor que Maria experimentou e escolheu viver foi algo tão intenso que simplesmente não permitia que ela deixasse seu amado, simplesmente não lhe era possível, e assim foi levada aos pés da cruz no gólgota, onde preferiu acompanhar o sofrimento daquele que tanto amava do que se furtar de sua presença. A Madalena certamente sentiu fortemente em seu coração as dores que seu amado sentia numa empatia própria de um coração amante, e nem após a morte deixou de o amar. A Madalena deve ter contado as horas e os minutos para poder ir ungir o corpo morto do seu Amado, e com certeza sentiu o desespero ao procurar em vão entre os mortos aquele que vivia, mas chegou ao cume da alegria, sendo a primeira a contemplar a glória da vitória do amor, amor esse que é reconhecido por chamar Maria pelo nome. Jesus chamou a Madalena pelo nome, mostrando que a conhecia e fazendo a sua alegria completa.
Segundo a Tradição, Maria fugiu com sua família para o sul da França, onde passou o resto de seus dias como celibatária a anunciar a experiência do amor de Cristo ressuscitado. Diz-se ainda que em seus últimos meses de vida, Madalena se retirou para uma gruta onde vivia em contato com seu amado e se alimentando exclusivamente do pão eucarístico. Essa gruta, conhecida como Saint-Baume é hoje local de veneração de Maria Madalena e dito como poderoso local de intercessão por todos os que sofrem com as tentações da carne.
O mergulho nas experiências de Maria Madalena poderia ter sido mais profundo, mas esses fatos colocados são suficientes para eu falar do ponto que eu quero, que é justamente da dimensão da esponsalidade. Tantas vezes ligamos o amor a Jesus como algo excessivamente poético, ligado somente com longas orações e cânticos de amor, mas o verdadeiro amor esponsal não se encontra somente aí. A esponsalidade de Madalena é exemplar para todos nós ao passo que transcende a dimensão meramente sensível e atinge uma forma tripartite em decisão, amizade e oferta. A experiência sensível do amor não deixou Madalena numa inércia, mas gerou uma mudança de vida radical e decidida, a dita prostituta foi purificada e doou tudo o que tinha e era para Jesus (inclusive a sua castidade revirginizada), mostrando como Deus nos atrai pela sensibilidade, mas nos convida a decisão sustentada pelo amor. No episódio da casa de Marta, vemos que uma parte essencial da esponsalidade de Madalena é o diálogo amoroso com seu amado, a oferta de seu tempo e atenção para ouvir as palavras dAquele que guiava seus passos. E durante o evangelho, vendo referências a ela como uma das que servia Jesus (além claramente do episódio do derramar do perfume), vemos que sua esponsalidade assume também uma dimensão de oferta pelo Amado e pelo Reino que iria guiar toda a sua vida depois da experiência da misericórdia.
Amados, o convite que nos faz a Madalena não é a uma esponsalidade mística ou poética somente, mais sim uma esponsalidade encarnada. A experiência sensível da misericórdia que inflama o amor esponsal conduz a uma orientação de vida para fora de si mesmo, uma vida que precisa de decisão, amizade e oferta. O chamado de Madalena não é uma paixonite de alguém que teve uma experiência num retiro e reclama de não ter o mesmo em casa, não é o amor passageiro de alguém que só ora quando precisa ou quando tem consolações sensíveis, mas sim o chamado a um amor maduro no qual a decisão de amar na consciência do ser amado é capaz de conduzir aos pés da cruz se preciso for e de mudar a nossa vida não só em oração, mas na concretude de uma vida nova de radicalidade evangélica no amor ao Amado. Esse é o convite que minha Santa Madrinha me faz todos os dias e que eu venho deixar com vocês na celebração de sua memória.

Que a contemplação do amor e da misericórdia que Deus teve para conosco nos conduza a graça do amor esponsal maduro e encarnado em nossas vidas, a uma vida radicada no evangelho e transfigurada na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que como a Madalena, possamos muito amar porque muito fomos amados e amar de maneira madura e decidida, derramando nossos melhores perfumes aos pés do Rabi Amor.

"Se tu inflamas o meu coração,
Se tu somente és a minha razão
De viver e amar
Em tuas mãos minha vida está
Teu coração é onde eu quero morar
E unir-me em amor
Como um fogo abrasador
Inflama, faz subir tuas centelhas de amor
Em chamas, do teu coração aberto meu Senhor"
(Fogo Abrasador - Comunidade Católica Shalom)

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