Mulher? Mas porque mulher?

(Por Rodrigo Damasio)

Oi pessoal, tudo bem? Quando eu me deparava com as passagens do Evangelho onde Jesus falava com Maria (como por exemplo em Jo 2,4), eu sempre achei que havia uma determinada frieza, afinal, Ele sempre se referia a sua mãe como "Mulher". Não como mãe, mamãe, Mainha ou qualquer das denominações carinhosas que nos hoje temos, mas simplesmente mulher. Isso é engraçado, considerando que Ele sempre se referia a Deus como Pai, ou até mesmo Abba (equivalente a paizinho, utilizado geralmente por crianças). E eu me perguntava "Meu Deus, se tu chamavas ela somente de mulher, porque eu devo honra-la e chamar de mãe?".
Nosso caríssimo Papa Emérito Bento XVI (ô amor por esse homem) na sua obra Jesus de Nazaré (que recomendo fortemente) me conduziu a algumas reflexões mais densas acerca disso. No capítulo onde ele fala sobre as denominações que Jesus usa para si mesmo, quando ele vai analisar a expressão "Filho do Homem" (que Jesus tantas vezes usa ao falar de si mesmo profeticamente), ele nota que “No uso linguístico do hebraico e do aramaico, o significado primeiro da expressão ‘Filho do Homem’ é simplesmente homem” (2007: 401). Jesus falava de si mesmo como simplesmente homem. Mas o ser simplesmente homem de Jesus é precisamente o que inaugura a nova fase da história da salvação, o momento em que Deus se faz homem, não somente homem, mas o homem por excelência, o novo Adão, a obra nova de Deus na humanidade pelo retorno a essência da criação na comunhão com Ele. Ao mesmo tempo que Jesus se identifica como "Homem", identifica a sua mãe como mulher.
O que ao olhar descuidado pode parecer uma falta de carinho ou de cuidado, ou até mesmo uma frieza pela parte de Jesus, na verdade é um ato que expressa toda a dignidade que foi concedida a Maria, ou melhor, que foi restaurada em Maria. Vamos por um segundo de volta para o Gênesis. Antes da corrupção do pecado, a vontade do homem existia em comunhão com a vontade de Deus, ambos tinham uma intimidade tão profunda que o homem podia ouvir os passos de Deus (cf. Gên. 3, 8), o homem era uma criatura de dignidade tão elevada que podia conversar com seu criador. Imagine quanto amor não há nisso? Entretanto, a desobediência e a soberba de Eva romperam esse laço ao sucumbir ao pecado, e assim mancharam a natureza do gênero humano. Mas em Maria, na sua comunhão com a vontade de Deus, na sua profunda humildade e fidelidade, Deus premiou toda a humanidade, fazendo de Maria a nova Eva, gerada para a humanidade e para a Igreja pela encarnação do novo Adão.
As referências de Jesus a Homem em si mesmo e a mulher em sua Mãe, nos mostram uma nova beleza na humanidade, nos revelam a sua verdadeira dignidade, e de certa maneira retomam a narrativa original da criação “Esta sim é osso dos meus ossos e carne de minha carne! Será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem! ” (Cf. Gên. 2,23), como nos mostra Ratzinger (2011: 181). Nós, amigos, ao comungarmos na vontade de Deus, fazemos parte dessa nova criação em Cristo da qual Maria foi a primeira e maior exemplo, somos retirados da ilusão de autossuficiência e inseridos na dinâmica de sermos criaturas dependentes, e nisso amadas e saciadas por um amor tão grande que nem compreendemos as vezes. Chesterton diz que “O Santo é remédio por ser antidoto. [...] em geral acontece reestabelecer ele a saúde do mundo exagerando aquilo que o mundo despreza” (2012: 26), na humildade, na obediência, na fidelidade e no amor a Deus, Maria devolveu ao gênero humano a verdadeira dignidade do ser mulher, merecendo ser reconhecida como tal por seu Digníssimo Filho, e sendo um presente de Deus para a humanidade de todas as gerações (ouso dizer especialmente a nossa), que é tão carente das virtudes que o Pai por amor e misericórdia escondeu no coração de Maria. Maria, nas suas virtudes e santidade, é nosso modelo e antídoto.
Nesse mês de Maria em especial (mas também em todos os meses), possamos voltar o nosso olhar sempre para Jesus e a sua (e nossa) mãe, Maria, como início da obra nova de Deus na humanidade, como o ponto em que Deus vêm em si mesmo devolver a dignidade da nossa condição e nos dar o também o exemplo de sua Santíssima Mãe. Que tendo como inspiração esses mais belos exemplos, do Salvador e da Cristã por excelência, possamos ter neles o antídoto para esse nosso mundo cada vez mais distante da vontade de Deus e assim da dignidade verdadeira dos homens.

Olhemos sempre, irmãos, para esses exemplos, e lembrados constantemente da nossa dignidade verdadeira (que vai além do que tudo que este mundo pode oferecer), possamos nos unir a vontade de Deus e nos colocar nesse mais belo movimento de amor que nos envolve e nos conduz a nossa verdadeira identidade e felicidade.

Por teus olhos eu aprendo a esperar
Por teus lábios eu aprendo a louvar
Em teus passos eu aprendo a caminhar
Ao ver-te aos pés da cruz aprendo a confiar

Quando a força me faltar
Quando a vida me provar
Eu quero estar em teus braços, ó Mãe
E de ti aprender a crer, a esperar, a amar

Estás aqui, ó Mãe
Estás aqui, ó Mãe
Consolo no caminho
Ternura e carinho
Sob o teu manto encontrei meu lugar

(Estás aqui, ó Mãe -  Comunidade Católica Shalom)

Referências:

Ratzinger, Joseph (2007). Jesus de Nazaré. Vaticano: Líbera Editrice Vaticana. Outubro, 2007.

Ratzinger, Joseph (2011). Jesus de Nazaré, Parte II: Da entrada em Jerusalém a Ressureição. 

Vaticano: Líbera Editrice Vaticana. Fevereiro, 2011.

Chesterton, Gilbert Keith (2012). São Tomás de Aquino.  Lisboa: Alêtheia Editores. Setembro, 2012.

Comentários