(Por Rodrigo
Damasio)
“Jesus
chorou” (Jo. 11, 35)
Esse
é o versículo mais curto da Sagrada Escritura, e é dele que quero começar a
minha partilha. Imaginem que você está sozinho no chão, não tem mais nada no
lugar onde você está, só você e o chão. O lugar é feio, deserto, e nele você
sente a frieza do chão, a dureza dele, mas você já foi jogado no chão tantas
vezes e por tanta gente que de certa maneira a dureza e a frieza lhe são
indiferentes, você está tão calejado que existe uma certa familiaridade na sua dor,
quase como se ela fosse um hábito. Nessa cena entra alguém, um homem. Esse
homem é tão belo quanto algo pode ser, tão destoante do lugar onde você está
que a sensação é que ele não é bem real, afinal, esse lugar não é digno de tal
beleza. Ele carregava nos olhos uma serenidade que você jamais tinha visto, que
você achava que não existisse, e caminhava na sua direção. Naquele deserto, ele
via o que ninguém mais via, o que ninguém mais jamais aguentaria ver, ele via
as lágrimas que escorriam dos seus olhos, ele via o quanto você sofreu, a
beleza e a podridão dos lugares em que você andou, via até mesmo aquilo em você
que você mesmo nem lembrava de existir. E muito naturalmente ele lhe conhecia,
com aquele olhar em que facilmente você se perderia, mas que naquela situação
lhe causava uma profunda vergonha, tão profunda como você jamais havia sentido.
E
naquele momento, o seu coração sentia tantas coisas que você achava que ele ia
explodir, e você sentia que aquele homem estava prestes a fugir, correr dos seus
horrores, correr de tudo aquilo que ele tinha visto, mas porque você o
culparia? Afinal, tantos antes já haviam fugido ao enxergar a sua verdade. Mas
ele não corria. Ele andava calmamente na sua direção, contrariando toda a sua
lógica, todas as suas concepções, ele vinha até você. Quando ele chega perto,
ele senta ao seu lado, ele se abaixa ao seu chão, tomou o lugar ao seu lado, e
quando você ousou olhar naqueles olhos de onde você havia esperado o julgamento
e a ira, você viu que ele chorava. Ele chorava.
Mas
porque ele chorava? Ele parecia tão belo, tão perfeito, que razão teria ele
para chorar? E sem a necessidade de palavra alguma, você entende o porquê de
ele chorar. Ele chora por você. Não por pena, mas por amor. Naquelas lágrimas,
naquele sofrimento que tomava conta do seu semblante, você via amor. Amor como
você nunca tinha visto antes, amor que mais do que você mesmo, desejava a sua
felicidade, amor que você de alguma maneira misteriosa sabia estar disposto a
ser inteiramente seu. Ali, no seu chão, na sua miséria, ele te abraçou, te
beijou, te amou. Ele não se distanciou, mas se abaixou, e escolheu livremente
partilhar da sua dor para mostrar que até ali, ele era capaz de amar. E o toque
daquelas mãos, como uma brasa em chamas, lhe marcava a fogo. Ali, naquele
lugar, você descobriu que nada mais seria do mesmo jeito, que você jamais seria
o mesmo. Naquele abraço você encontrou a morada de Amor.
Irmãos,
por mais fantasioso que esse relato acima possa parecer, a pessoa de quem vocês
tomaram o lugar sou eu, e essa foi uma versão curta da história de como eu
conheci o Sagrado Coração de Jesus, que hoje a Igreja celebra.
A
devoção ao Sagrado Coração de Jesus é algo que se encaixa tão perfeitamente na
história da salvação que chega a ser chocante. Deus, durante toda a história do
povo eleito, manifestava através dos profetas palavras de amor para com Israel.
O povo de Deus tantas vezes foi filho, foi esposa, a menina dos olhos de Deus,
mas o pecado os impedia de enxergar essas palavras como algo além de analogias,
fato que levou o povo a uma vivência com um Deus que era o Deus de nossos pais,
mas jamais Deus o nosso pai (salvo em discursos alegóricos). Mas Deus enviou
Jesus, Emanuel, o Deus conosco, e a partir daí tudo mudou. Ao se encarnar e
tomar para si a natureza humana, o Verbo Divino fez com que em seu coração, não
mais metafórico ou alegórico, mas literal, o amor de Deus se tornasse não
somente reconhecível e inteligível, mas sim sensível. Era carne de verdade, era
todo aquele amor de que tanto se ouvia falar numa realidade concreta que se
podia sentir e tocar na vida de Jesus. O versículo que eu coloquei acima é um
dos meus favoritos por uma simples razão: nele eu vejo que Jesus não se furtou
de nada da natureza humana (com a exceção óbvia do pecado), nem mesmo dos
extremos da tristeza e da dor. A imagem do Sagrado Coração é o coração coroado
de espinhos, o coração transpassado, o coração que foi faminto, que foi
sedento, o coração que na sua plena divindade e beleza, foi humano.
Eu
escolhi por relatar para vocês o meu encontro com Jesus para trazer a luz o que
eu acho mais fundamental dessa festa de hoje. Esse coração não é distante. Ele
foi humano, ele sentiu na carne concretamente as coisas que eu sinto, ele
sentiu o meu cansaço e a minha dor. Ele não é capaz somente de me conhecer por
inteiro por virtude divina, mas Ele é capaz de me sentir por inteiro porque em
verdade tomou o meu lugar, porque se fez como eu, porque veio ao meu chão, se
abaixou ao meu lado, e me mostrou que com a graça de Deus a humanidade também
pode ser bela, que por Ele, eu renasci para o amor e para amar.
Nessa
festa do Sagrado Coração de Jesus, irmãos, eu não tenho para vocês reflexões
teológicas ou argumentos elaborados, mas tenho em meu coração o desejo de que
cada um de vocês lendo esse texto possa fazer novamente a experiência de
adentrar o Sagrado Coração de Jesus, a morada do Amor. Que nesse encontro que
se oferta por nós a cada dia nós possamos sempre encontrar o nosso lugar, o
nosso descanso, nesse coração divino e humano.
Senhor
Jesus, que hoje tu possas nos imergir no Teu Sagrado Coração e nos dar uma
experiência renovada com esse Teu amor que supera todas as coisas, esse amor
que cruzou toda a indiferença e tomou para si a nossa pequena natureza para ser
como nós. Que hoje, meu Amado, nós possamos nos esconder nesse coração
sensível, humano e divino, que nos conhece e nos ama por inteiro, e que nos
convida a renascer para uma vida nova.
Sim, eu vou
onde ninguém vai, eu vou
à mansão da morte
Eu sou, teu salvador
não desisto de ti
Sim, eu sei
o que ninguém sabe, eu sei
e não te condeno, eu vim
pra te salvar, te devolver a paz
Segura a minha mão
aqui não é o teu lugar
Segura a minha mão
eu vim te levantar
Seguro a tua mão
eu te levo comigo
e onde eu estiver
lá comigo estarás
(Segura
minha mão – Davidson Silva)
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