Quem és tu, Senhor, e quem sou eu? Reflexões sobre discernimento vocacional a luz de Francisco de Assis (parte 3)
(Por Rodrigo Damasio)
“A graça não faz explodir fronteiras. Nunca se viu que
o mundo acorde, da noite para o dia, vestido de primavera. A passagem de um
mundo para o outro foi feita por Francisco lentamente, ao longo de dois ou três
anos, e não foi um relâmpago inesperado, foi uma transição progressivamente
harmoniosa, que nem por isso deixou de ser dolorosa” Ignacio Larranãga – Irmão
de Assis
Amados, hoje estarei introduzindo a
última dimensão que achei importante analisarmos dentro do espectro do
discernimento vocacional a luz de Francisco: o tempo de purificação e espera em
Deus. Com o que vimos até agora, sabemos que a experiência do chamado de Deus
tomou forma na vida de Francisco através da decisão e foi se consolidando como
voz autêntica na oração, sendo essas as pedras que pavimentaram o seu caminho
rumo a vontade de Deus que havia de se expressar na sua vocação, mas precisamos
incluir este detalhe para dar uma imagem completa do que é esse caminho.
Francisco, arrebatado como tinha
sido pela presença do amor, decidido como estava pela vontade de Deus,
inflamado constantemente pelo amor na oração, não deixou de ser humano. Muitas
vezes olhamos para alguns exemplos de santidade e achamos que porque Deus os
chamou, simplesmente os cumulou de maneira instantânea com as graças que
precisavam para cumprir suas missões. É fácil e conveniente achar que porque
Deus nos chama a algo vai nos capacitar instantaneamente a seguir, mas isso não
condiz com a lógica de Deus, que tem um tempo para tudo e que não age no nada,
mas na nossa pobre e débil natureza. Antes de ser o pobre de Assis, Francisco
era filho de Pietro Bernardone, líder carismático da juventude boêmia de Assis,
apaixonado pelos prazeres mundanos e apegado a eles, era apenas mais um
burguês. Mas a experiência com Deus desencadeou um processo na vida de
Francisco para o preparar, e o foi fazendo em renúncias graduais, moldando a
pobre e débil natureza aos poucos, as vezes com muita dor. Só para introduzir
um fato curioso, o filho de Bernardone tinha nojo de leprosos, passava longe
deles e uma das grandes vitórias na sua transição para ser o Francisco de Assis
que conhecemos foi justamente o dia em que depois de muito tempo de preparação
e de vivência com Deus conseguiu abraçar um leproso.
A primavera do tempo de Deus, da
descoberta e vivência plena da vocação, só nos é acessível depois do outono e
do inverno. Por mais que desejamos corresponder a Deus hoje na maneira que nos
sentimos chamados, há uma série de processos, interiores e exteriores que
devemos passar para sermos capazes de, ainda que debilmente, corresponder a
vontade de Deus. Certa vez em uma confissão eu discutia com um padre sobre
isso, toda essa questão da vocação e do tempo de Deus, e ele sabiamente me
disse o seguinte: a natureza não faz saltos. Uma barra de ferro para se tornar
moldável, para se permitir ser formada, precisa ser derretida, e o tempo de
Deus é justamente esse tempo de derretimento da dureza dos nossos corações, dos
nossos velhos hábitos, de tudo aquilo em nós que não corresponde com a vontade
de Deus. Nós, apressados, queremos tudo logo, achando que somos capazes de
corresponder de maneira adequada a esse amor, mas Deus, em infinita sabedoria,
nos dá um tempo para sermos educados e purificados. O novo de Deus está
constantemente num choque dialético com o velho que existe em nós, e é
fundamental neste tempo, através do autoconhecimento, ter a humildade de nos
expor a Deus com a verdade das nossas fraquezas, carências, debilidades,
feridas e tudo aquilo que carregamos, pois somente assim Ele poderá nos moldar
para a vivência plena e fecunda da vocação. É necessário na oração ir ouvindo a
voz de Deus e permitindo que ela vá se tornando a nossa verdade, que vá
moldando a nossa realidade, mas ela sempre encontra resistência em nós.
O
tempo que Deus nos dá em discernimento de uma vocação sacerdotal e religiosa, o
tempo de namoro, o tempo de espera pelo seu José ou Maria, é precisamente o
lugar onde Deus deseja lhe moldar para ser o que você anseia, mas ainda não é capaz.
Nesse tempo de discernimento, a decisão nos leva a viver a cada dia o que vamos
contemplando na oração, mas somente com a consciência de que a Deus pertence o
tempo onde se realizará a promessa e de que na espera Ele deseja me moldar e
que poderemos viver esse tempo de maneira plena e fecunda. Muito mais do que
esperar de maneira impaciente, é necessário nos recolhermos a nossa pequenez
diante da grandeza da missão e permitir que Deus nos prepare na boa vivência do
nosso hoje, na saudável desconfiança em nós mesmos, e na inabalável confiança
de que Ele fará quando for o tempo certo. Se hoje Deus nos dá esse tempo de
purificação e de preparação, vivamos ele de maneira fecunda, desejando conhecer
a nós mesmos, permitindo que Deus molde as nossas durezas, que nos ensine a
lidar com nossas limitações e debilidades, que nos encha com a sua graça na
medida que contemplamos a nossa fraqueza diante desse novo que Ele deseja
realizar em nossas vidas.
“É preciso ter consciência de que
se precisa ser podado em seus galhos velhos, ou até naqueles aparentemente
verdes, mas que não dão frutos, para assim produzir os verdadeiros frutos. E
isto não é fácil. É árduo e difícil! Por isso precisamos de humildade e do
desejo de nos deixarmos formar” Moysés Azevedo – Escritos da Comunidade
Católica Shalom
Peçamos ao Senhor, pela intercessão
de São Francisco de Assis, a graça de viver esse tempo de espera e purificação
não com impaciência e reclamação, mas com a humildade de quem verdadeiramente
se deixa moldar na certeza de que Deus capacita os escolhidos, que não se
assusta diante da sua incapacidade, mas que se confia inteiramente na graça de
Deus. Esse, mais do que nunca, é um momento de abandono, porque ao se deparar
com as nossas fraquezas, com tudo que resiste a vontade de Deus, precisamos com
humildade admitir que somente a graça e a nossa decisão por deixar que Deus aja
em nosso viver pode fazer de nos capacitar a viver aquilo a que somos chamados.
Amados, o falado ao longo dessas 3
semanas, aquilo que acompanhamos com Francisco, vai nos acompanhar não somente
num tempo de discernimento, mas na nossa vivência cristã como um todo. A
coragem decidida, a escuta amorosa, a paciência e a humildade que vimos
demonstrada em Francisco precisam ser partes integrais da nossa vida com Deus,
independente de que parte dessa caminhada estejamos. Ao final dessa pequena
série, agradeço a Francisco pela companhia e pela intercessão constante e
coloco uma prece final: que imitando as virtudes de Francisco, sejamos capazes
de viver, de maneira plena e fecunda, a vontade de Deus!
Shalom!
Veni Creator Spiritus
Imple superna gratia
Quae Tu creasti, pectora
Vem espírito Criador
E derrama a plenitude
Da graça aos corações que para ti criastes
Recria-me, reconstrói-me, muda-me
Capacita-me a viver o que eu não consigo
Mas que anseio
E anseio porque sou chamado a vivê-lo
Veni Creator Spiritus
Veni
Creator – Moysés Azevedo
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