“- Por
favor, Aslam – disse Lúcia -, antes de partirmos, pode dizer-nos quando
voltaremos a Nárnia? Por favor, gostaria que não demorasse...
- Minha
querida – respondeu Aslam muito docemente – você e seu irmão não voltarão mais
a Nárnia.
- Aslam! –
Exclamaram ambos, entristecidos.
- Já são
muito crescidos. Têm de chegar mais perto do próprio mundo em que vivem.
- Nosso
mundo é Nárnia – soluçou Lúcia – Como poderemos viver sem vê-lo?
- Você há
de encontrar-me, querida – disse Aslam.
- Está
também em nosso mundo? – Indagou Lúcia.
- Estou.
Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso
que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me
melhor.” (Diálogo entre Lúcia e Aslam em A Viagem do Peregrino da Alvorada).
Amados, retornamos hoje ao reino de
Nárnia e a companhia de Aslam para apanhar mais alguns pensamentos sobre a
experiência cristã e assim compreender um pouco das dinâmicas divinas apresentadas
na obra de Lewis e aplicadas a nossa vida. Fazia algum tempo que esse tema de
hoje ruminava no meu coração e hoje, mais uma vez, Lewis me fornece os
instrumentos para falar do que Deus coloca no meu coração, nomeadamente a
experiência sensível da fé. Primeiramente precisamos tirar algumas conclusões
da obra.
Analisando das aventuras dos irmãos
Pevensie, Eustáquio e Jill Pole em Nárnia podemos tirar uma conclusão
fundamental: são sempre experiências pontuais. Nárnia é o lugar onde se dá a
experiência do extraordinário, onde existe como que um despertar da virtude, da
coragem, da capacidade de doar-se, do conhecimento de si mesmo, onde se dá o
encontro com a profundidade da nossa falha condição e ao mesmo tempo o encontro
com o Sumo Bem, que se encontra na figura de Aslam. É muito interessante também
notar que o encontro com Aslam em Nárnia é algo direto, uma experiência
sensível, algo que se pode tocar e que deixa marcas permanentes na vida dos
meninos. Outra conclusão, e acho que seria a mais importante, apesar de Nárnia
despertar um profundo sentimento de pertença e de realização (como vemos numa
das falas de Lúcia acima), ela não é o lugar predominante da existência terrena
dos jovens, como o próprio Aslam faz questão de salientar.
Como não enxergar nas palavras de
Lúcia o eco das palavras de São Pedro no monte Tabor diante da transfiguração
de Jesus (Lc 9, 33), da experiência do extraordinário. Como não ver a nós
mesmos diante das nossas experiências pessoais com o amor de Deus, em momentos
de oração, numa efusão do Espírito, numa adoração, em retiros. Como não louvar
ao Senhor que nos concede experiências sensíveis, palpáveis e indeléveis do seu
amor? Esse tipo de experiência (que se você ainda não teve, desde já rezo para
que tenha) é um alimento poderoso para a nossa fé, são momentos que deixam
marcas em nós e memórias que nos prendem a Deus, mas infelizmente, não são o
predominante na nossa vida terrena.
A experiência sensível de Deus como
os meninos tinham em Nárnia (lembrando sempre que Aslam representa Jesus na
obra de Lewis) os inflamava, despertava neles o desejo da virtude, os trazia
para um conhecimento mais profundo de Deus, mas não tinha como objetivo o
permanecer ali, mas sim o transportar dessa experiência para o mundo onde viviam.
Vejo muito assim as nossas experiências mais pessoais e sensíveis com Deus. Ele
se aproxima, se deixa contemplar e tocar, desperta em nós a sede de santidade e
de eternidade, para que vivamos e contagiemos o nosso mundo com isso. A
experiência sensível é dada para que eu possa contemplar a realidade que eu
vivo através do amor experimentado e não para que eu seja dependente dessa
experiência. Infelizmente, vemos muito na nossa igreja os casos da fé que é
fogo de palha, incendeia nas experiências sensíveis mas rapidamente se apaga
por não conseguir traduzi-la na realidade, por não se empenhar em ver que
aquele amor sentido ali é manifesto de maneira concreta na nossa realidade.
A experiência do extraordinário tem
em vista uma mudança não na realidade ordinária, mas na maneira como a
enxergamos. Deus nos dá os consolos sensíveis e nos abrasa para que na nossa
realidade ordinária possamos contemplar o seu amor nas coisas, nas pessoas, nas
manifestações da providência, no cuidado constante, na intimidade da oração.
Nos dá um gostinho de seu amor para nos seduzir e atrair para que vivamos não
momentos de amor, mas uma história de amor vivida a cada dia. Acho brilhante a
maneira como Lewis deixa isso cristalino através de Aslam, mostrando que o
sensível e o extraordinário tem como objetivo conduzir ao conhecimento profundo
e a contemplação da beleza do ordinário. Como é belo perceber esse Deus que se
mostra e que nos chama a reconhece-lo não na sensibilidade somente, mas no
concreto da nossa realidade, que nos chama no extraordinário a ver o ordinário
como manifestação de amor.
Meu convite a vocês amados é
precisamente esse, ao contemplar o sensível e o extraordinário não se tornar
dependente (porque esses consolos pertencem a Deus e são concedidos de acordo
com a sua vontade) mas deixar-se transformar e ver o ordinário como uma grande
manifestação de amor, manter a chama da fé acesa não só nos consolos sensíveis,
mas na realidade concreta, num Deus que ama em tudo e que convida-nos a amar em
tudo. Louvemos a Deus sempre pelas experiências sensíveis de seu amor e
misericórdia, mas jamais esqueçamos de viver esse amor e contempla-lo na nossa
realidade visível onde ele também está presente.
Shalom!
(R. D – Minions Católicos)
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