Amados,
atualmente estou lendo um livro chamado “Confirmação” do psicólogo da vida
consagrada Amedeo Cencini e logo na introdução ele me colocou uma ideia que
venho trazer hoje para discutirmos. O autor aponta que o cristianismo do dia de
hoje, cada vez mais, faz um processo para voltar a ser o que era no começo, uma
escolha, ao invés de ser o que ainda hoje é em larga medida, uma convenção
social e cultural. Eu confesso que isso de certa maneira me fez enxergar
algumas coisas, tanto em mim mesmo quanto na Igreja, e acho que especialmente
diante desse tempo que se iniciou agora na Quaresma alguns pontos que me vieram
ao coração podem ser úteis.
Eu lembro hoje de alguns momentos da
minha infância, especialmente da sexta-feira santa, em que minha mãe me falava
que na nesse dia eu “não podia” comer carne, mas ao mesmo tempo não sabia
explicar bem o porquê. Lembro também do tempo da minha primeira comunhão, de
iniciar o período de catequese quase como se fosse algo automático, e de ir
porque era uma obrigação. Naturalmente quando eu percebi que eu nunca tinha
escolhido por nada daquilo eu simplesmente sai (e passei mais ou menos 10 anos
no “ateísmo”). Eu lembro esses fatos não para criticar a tradição cristã da
nossa sociedade (que graças a Deus é algo bom) mas para mostrar que
infelizmente esse é o horizonte que muitas pessoas têm do catolicismo. Através
de anos de história e desenvolvimento da civilização ocidental é inegável que o
cristianismo se cristalizou no tecido social do ocidente, mas a maneira como
isso se deu é preocupante porque nos deixa hoje com uma Igreja que é cheia no
Natal e na Páscoa e bem menos no resto do ano. O cristianismo se tornou uma
herança (e é bom que o seja, vivemos disso), mas muitas vezes uma herança que
simplesmente se perpetua por um deixar-se levar dos herdeiros e não por uma
autêntica identificação com seu conteúdo. Desde os tempos do Iluminismo e da
sua tentativa de excluir Deus da vida pública do homem e de sua razão, essa
tendência vem sendo desconstruída, e hoje é abertamente desafiada, mas ainda
assim em certas sociedades perdura.
Quando eu penso no início do
cristianismo, nos primeiros apóstolos, nos primeiros santos, eu vejo que a
dinâmica da fé era herança, porque herdaram o que pregavam de Jesus, mas era
muito mais do que isso, era uma adesão de vida profunda, uma escolha por um
relacionamento com Deus que tinha sérias consequências na maneira como eu vivo
e me relaciono, escolha pela qual morreram mártires, se doaram missionários e
que alimentou (e alimenta) a propagação da boa nova pela Igreja. Nos tempos de
hoje, em meio ao secularismo exacerbado, ao hedonismo, individualismo e a
tantos movimentos que tentam desconstruir o ensinamento da Igreja e a moral
cristã e extrapolar o valor da liberdade de escolha é notório que o
cristianismo como uma simples herança sociocultural vai perdendo lugar
(infelizmente em muitos casos) e que estamos aos poucos retornando a dinâmica
da escolha, do relacionamento, como era no princípio da Igreja. Acho que uma
das grandes provas disso, e no Brasil vemos claramente, é a RCC, a quantidade
de novas comunidades surgindo, o número de vocações que surgem em comunidades
de vida e aliança na escolha por se entregar inteiramente a Deus.
Como
estudante de Relações Internacionais eu aprendi uma coisa: estruturas não mudam
o mundo, pessoas o fazem. Pensar na Igreja e no catolicismo em termos de uma
mera estrutura estática, de um conjunto de regras, de algo que simplesmente
herdamos e que não nos toca profundamente ocorre em muitos casos (vide a
quantidade de pessoas que sai da vida na Igreja após o crisma) e não é isso que
muda o mundo, que vai fazer vir o Reino de Deus. A única maneira pela qual o
cristianismo pode verdadeiramente impactar a humanidade é se for escolha,
adesão livre, fruto da liberdade de uma pessoa que na relação com Deus sabe-se
profundamente amada e decide consumir-se em amor. Ao ver a Igreja fazer esse
movimento de volta aos primórdios é preciso que nós reconheçamos que somos essa
geração que veio para provar que o ápice da liberdade humana se encontra na
escolha por Deus, pela santidade, por viver a radicalidade do Evangelho. Diante
de um mundo que rejeita as suas heranças ou que as trata com desdém, diante dos
falsos conceitos de felicidade, amor e liberdade que são pregados, é necessário
que sejamos a geração da escolha plena, consciente, escolha que não é só
passada de geração em geração, mas que é a essência da minha vida. É necessário
que escolhamos viver essa relação de amor com Deus que nos faz amados,
verdadeiramente livres e desejosos de viver por amor.
Em
especial nesse tempo de quaresma, em que tantas vezes se confunde o que o cristianismo
sociocultural com a escolha (basta notar a quantidade de pessoas que usam a
quaresma como forma de fazer dieta), somos chamados a viver o chamado à
conversão e a escolha por Deus de maneira mais viva, como diz o Papa Francisco “a
quaresma é um forte convite à conversão, somos chamados a voltar a Deus e não
nos contentarmos com uma vida medíocre, mas crescer na amizade com o Senhor”.
Que
possamos nesse tempo de conversão ver em nós tudo aquilo que ainda é uma
herança cristã vazia e inconsciente, uma simples convenção, e transformar em
vida, escolha consciente, que muda a nós e que tem impactos reais na
humanidade. Oremos intensamente para que a cada dia mais possamos viver de
maneira feliz a nossa escolha por Deus, colher os frutos de amor que brotam
dessa relação com a fonte da Água Viva, e assim sermos sinais do amor
verdadeiro, da liberdade e da plenitude que só se encontram na pessoa de Jesus
para essa humanidade que geme e chora esperando a manifestação dos filhos de
Deus!
Shalom!
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