Um olhar sobre a Cruz

“Então disse Jesus aos seus discípulos: ‘se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me’” Mt 16, 24
           
Amados, nessa nossa caminhada de quaresma, nesse tempo oportuno onde buscamos projetar o nosso coração aos céus em preparação para o momento mais importante da nossa fé, eu acho que é mais do que nunca necessário lançarmos um olhar mais profundo sobre os mistérios que nos preparamos para celebrar e um que particularmente me encanta no tríduo pascal é a Cruz. Hoje vamos nos debruçar um pouco sobre esse toque do eterno nos confins da humanidade para sermos capazes de talvez compreender um pouco melhor aquilo que vamos celebrar.
Escolhi essa passagem do Evangelho de São Mateus para guiar o início das nossas reflexões por ser um dos primeiros momentos em que Jesus coloca a Cruz como um chamado de seguimento e assim escandaliza os seus discípulos que tinham na sua mente e na sua realidade uma imagem bastante diferente da de Jesus quando ouviam falar de cruz. Como você provavelmente saiba, a crucifixão era uma prática comum para a execução de prisioneiros quando se desejava faze-los de exemplo, expô-los ao cúmulo da humilhação, e não foi nem de longe um evento exclusivo de Jesus ou originado por ele. Ao ouvir falar de cruz os discípulos provavelmente viam em suas mentes a morte, o abandono, o peso do madeiro e tudo isso é real quando se aplica a cruz numa concepção factual, mas quando falamos de Jesus a dinâmica é bastante diferente. Não quero dizer com isso que a cruz de Cristo foi destituída de sofrimento humano, de peso, ou mesmo que não conduziu a morte, mas que o cristão não pode ver estes como os fatores definitivos quando se pensa na cruz.
Infelizmente até mesmo nos dias de hoje, quando pensamos nesse chamado de Jesus a cruz nós pensamos muitas vezes em termos negativos, pensamos que é uma vida feita de renúncias, que em alguns aspectos frustra a nossa liberdade, que é sempre um fardo pesado, um sofrimento. Olhamos para a cruz, antes mesmo de toma-la nos braços, pensando somente na dor, na mortificação e dando essencialmente a cruz uma conotação negativa que somente agrega ao seu peso. Para mim, a chave de entendimento do mistério da cruz não está no evento em si, que foi carregado de dor, de sofrimento e que nos fez ver uma face importante de Deus que se abaixa, mas no sentido que vemos o evangelista João dar a ela quando coloca no princípio da última ceia “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. A cruz, muito mais do que um simples sofrimento, é amor, é o ato de amar levado ás últimas consequências, ao dom de si mesmo.
Ao se entregar na cruz, muito mais do que sofrer, Jesus amou, e quando nos chama a tomar a nossa Cruz nos chama a fazer o mesmo. Quando digo que Jesus chama, gosto de pensar no substantivo na língua italiana (chiama), pois as duas partículas que formam o substantivo (chi + ama) querem dizer literalmente “quem ama”. Jesus, o Eterno Amante, chama-nos na cruz ao amor dEle, amor que vem do seio da Trindade e que somos chamados a viver. Olhar para a cruz e pensar somente no peso e no sofrimento é igualar a Paixão de Cristo a uma execução romana, é se negar a ver que aquele sofrimento em específico, ainda nas feridas mais horrendas, era amor. Jesus que ama sabe que a cruz tem seu peso, mas a enche de amor precisamente para que ao assumirmos o seu chamado possamos viver até o sofrimento e a mortificação como amor. O chamado da cruz é radical porque nos chama a amar até as últimas consequências, amar até onde dói, amar até os que nos fizeram mal, amar até nas situações mais difíceis, mas acima de tudo, viver de amor e por amor, viver uma cruz que não é uma busca de sofrimento quase masoquista, mas sim uma oferta de vida, um dom da nossa liberdade.
Tomar a minha cruz, antes de qualquer sacrifício, implica em dizer a Jesus “Senhor, eu quero amar! Eu não sei onde isso vai me levar, eu não sei o que vai acontecer no caminho, mas eu quero, em cada passo, amar, e ofertar a minha vida com a Tua!”, implica não uma mera aceitação do sofrimento mas sim uma decisão livre pelo amor.
Que nesse tempo de quaresma, ao olhar para a cruz, possamos ver além do sofrimento o amor que na sua liberdade se entrega e nos convida a amar com tudo que temos e somos, a viver pelo Amor e a nos conformar com Ele na escolha livre de realizar a nossa essência!
Shalom!


(Rodrigo Damásio – Minions Católicos)

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