A Crise na Longa Caminhada de Santo Inácio

Parte II - Os passos do peregrino e sua vocação.

Caros correspondentes de Cristo na Parte I (que vocês podem ler clicando aqui), Iniciei a minha XP pessoal com Santo Inácio comentando uma frase do próprio santo: “O Que Sou? E o que faço para Cristo?”.
O que nos faz pensar, se nos momentos ímpares de nossa vida, aqueles momentos únicos, que não sabemos o que fazer nem como nos portamos diante dos contratempos e adversidades. Onde nós não sabemos e não queremos decidir ou escolher que rumo dar a nossas vidas – aliás quantas vezes deixamos propositalmente o tempo passar e não decidimos? Se no auge desses momentos, como nós nos recorremos a Cristo: Gritando, esbravejando, procurando forçadamente um sentido nas páginas de um livro, ou da escritura? Ou se nós no recolhemos em Deus[1]?
Nesse mês vocacional, colocamos a segunda parte sobre a vida de Santo Inácio, para justamente refletirmos o quanto a nossa falta de decisão diante as crises, nos aflige e nos impedem de caminharmos rumo aos objetivos de uma vida mais próxima da fé, da esperança e da caridade.
Uma reflexão feita pela querida Ágata (que vocês podem ler aqui) nos fala sobre o momento de crise. O que me incentivou a acrescentar essa ponderação nesse texto. Já que entre as definições da palavra crise, seleciono duas que espelham o que muitas pessoas passam: “estado de incerteza, vacilação ou declínio” e “episódio desgastante, complicado; situação de tensão, disputa, conflito”[2]
Podemos deduzir que Santo Inácio passou por um momento similar. Um extenso momento de Crise. Vejam uma pessoa que vivia num contexto, onde o único meio de ascender socialmente era através de casamentos e do mérito em batalhas[3]. Ou ainda sendo filho mais novo de uma família nobre, talvez sendo colocado em um seminário ou mosteiro para alçar a vida sacerdotal, entretanto com intenções de possuir cargo de bispo[4] e ter relevância e influência política para família perante os outros nobres.
Santo Inácio não teve uma educação formal, mesmo possuindo um grande talento estratégico e perspicácia. E conquistadas importantes vitórias no campo militar, devido ao seu problema nas pernas lhe seria difícil combater numa batalha. Poderia dispor talvez de um cargo diplomático, ou mesmo ser conselheiro de seu irmão...
Pensamentos semelhantes devem ter assolado Santo Inácio, visto que estavam querendo se dispor a Deus. E com pensamentos de vanglória “que tinha grande prazer em deter-se ... mas quando deixava tais pensamentos, achava-se seco e descontente”[5] e se “achava contente e alegre e pensar em viver os rigores dos santos”[6] Percebem a crise desse belo e galante rapaz? Que afirmava que ao sair de sua enfermidade, mesmo contrariando seus familiares Inácio, queria seguir os exemplos de Francisco e Domingos[7] e tentar servir ao “Rei Eterno e Universal que é Cristo Nosso Senhor!”[8].

Crises entre suas memórias e seu desejo de pertencer a Deus.
Perante esse conflito que assolava o homem que treinou e se preparou a vida toda a ser bem-sucedido seja nas estratégias e combates militares, seja nos conselhos e diplomacia. Inácio teve vários impulsos. Desde ir a Jerusalém, como ao retornar a Espanha entrar na cartuxa de Santa Maria de la Cuevas, de forma anônima e passar os restos dos seus dias servindo a Deus sem que soubessem quem ele era.
O Próprio Inácio relata em sua autobiografia, os grandes conflitos que passou no período que estava acamado. Reflete muito sobre suas memórias, seus desejos. Teve em seu passado episódios de concupiscência e, ainda retinha esses desejos da carne. Nesse imenso conflito interior ele começa a ter “discernimento dos espíritos[9]” e se torna capaz de distinguir quais dessas agitações lhe são prejudiciais ou benéficas. Analisando seus pensamentos, desejos e temore.
Seu irmão mais velho fica muito preocupado e teme que faça algo exagerado, já que Inácio tinha por hábito de se dedicar no extremo aos seus afazeres. Inácio decide partir, em caminhada com seu outro irmão para comunicar ao Vice-Rei que desejaria agora servir somente a Deus. Após receber do duque o que devia, distribui uma parte do seu dinheiro a quem se achava em obrigação e ao doar outra quantia na Capela de Nossa senhora de Aránzazu, decide ai fazer um voto de castidade. Despede-se de seu irmão e companheiro de viagem e segue sozinho até Montserrat onde havia um mosteiro beneditino.
No caminho Inácio reflete sobre as aparições e visualizações de Nossa Senhora que teve em seu leito. Tomara uma paixão enorme por ela, ao ponto de “não desejar mais damas nobres” e sim servir a “Rainha do céu”. Falava dela a todos, aos que conhecia e aos que não conhecia.
Durante sua caminhada encontra um mouro que mesmo sendo de outra religião teve uma trabalhosa conversa com Inácio. Em certo ponto da conversa começaram a discutir sobre questões que envolvem nossa senhora e por mais argumentos que Inácio desse, o mouro até compreendeu que Maria Santíssima poderia ter tido Jesus sem obra de homem... Mas não conseguia aceitar de modo algum que após conceber ela permanecesse virgem, o que para o mouro era impossível!
Inácio se irritou muito e deixou o mouro para trás, todavia veio-lhe os pensamentos reflexos de seu passado e memória de sua vida em armas: “Não deveria ter defendido a honra de nossa senhora? Pois se fosse uma dama, uma nobre que tivesse sua honra afrontada, ele não partiria em sua defesa? E como não fazer o mesmo por sua Rainha?” Vejam o tamanho da crise de Inácio, e é similar a que muitos de nós passamos... Em nome de Deus ou por sua honra todos os atos se justificam?
Inácio não tinha certeza de como proceder e teve uma atitude ao mesmo tempo ousada e imprudente para resolver esse impasse. Sabia onde o mouro iria continuar a viagem, então ao chegar numa encruzilhada, parou e soltou as rédeas da montaria, se ela segue o caminho do mouro ia até ele para se ajustar e possivelmente lhe tiraria a vida... no entanto se a mula fosse pelo outro caminho deixaria o mouro em paz. Quantas vezes em nossas crises, ou mesmo nos momentos de fúria, jogamos a nossa (i)responsabilidade nas mãos de Deus? Falamos para Deus decidir, como se fosse uma ordem? E depois do ato feito “a culpa” é de Deus, pois foi “ele quem quis (ou não quis) assim”.
Inácio refletiu muito sobre isso e chegando em Montserrat durante a vigília da festa de Nossa Senhora da Anunciação (23 de março) decidiu passar a noite em oração e lá no altar de Nossa Senhora resolveu pendurar sua espada e seu punhal. Após esse ato resolveu se despojar por completo. Seguindo os exemplos dos santos em particular de Francisco de Assis. Doou tudo o que tinha, com o restante de seu dinheiro comprou um saco e, depois partilhou entre os pobres e os enfermos. Doou sua mula para ficar aos serviços do mosteiro e, ao passar por um mendigo deu-lhe todas suas garbosas vestes e fez do saco uma túnica. Preparou-se por três dias e então realizou uma confissão geral de sua vida.
Ao amanhecer partiu a pé por um caminho que ninguém o reconhecesse. Ao sair da cidade foi abordado por um soldado que perguntou se realmente dera as vestes ao mendigo – já que estava preso, pois acharam que tinha roubado roupas tão elegantes. Inácio respondeu que sim, mas ficou triste por perceber que mesmo querendo fazer o bem, não o soube fazer de modo adequado e acabou por provocar o mal.[10] Quantas vezes temos o ímpeto de fazer boas ações... sem refletir se elas serão boas mesmo? Esse pensamento que nos assola ajudou a transformar ainda mais aquele homem que resolvera deixar sua parte imprudente para trás.

A vocação de servir na crise de seu tempo!

Inácio coloca-se a caminhar cada vez mais sozinho para ter somente a companhia de Deus. Passando a chamar a si próprio de “O Peregrino”[11]. Tem em suas mãos somente um cajado e segue seu caminho até encontrar algumas viajantes, que respondendo suas perguntas e achando que ele era quem precisava de tratamento indicam-lhe o hospital de Santa Lúcia em Manresa. Chegando até a cidade e ao hospital, decide esmolar todas as manhãs, mas o que recebe de esmola, não compra nem carne e nem vinho e jejua o máximo que pode. Com dinheiro ou alimentos que recebia guardava pouco para si e dividia os demais com os pobres e os enfermos do hospital que passou a auxiliar.
Julgava-se muito vaidoso e por isso decidiu ser radical. Deixou as unhas e as barbas crescerem e o cabelo que despendia mais vaidade, deixou crescer e ficar “emaranhado e desgrenhado”. Tendo o linguajar culto e refinado, passou então a utilizar o palavreado vulgar dos pobres. As crianças riam dele e com ele e o chamavam de “padre saco[12]”. Os habitantes da cidade também tiravam muito sarro dele. Alguns caçoavam dizendo que era um nobre fidalgo que deveria ter ficado louco (igual a um outro). Entretanto os atos de Inácio, motivos de deboche por suas atitudes cada vez mais piedosas em caridade com os mais pobres, foi transformando os habitantes que agora passavam a admirá-lo.
Inácio se preocupou muito e se dedicou ao máximo em “ser santo”. Dormia em terra nua. Ficava uma semana inteira sem comer e bebendo o necessário de água (e com relutância). Em confissões era advertido pelos seus confessores. Teve inúmeras visões, entendimentos sobre a Escritura, sobre a Igreja e os mistérios de Deus (como o da Trindade) que não lhe fora dita pelos teólogos e filósofos e eram um conhecimento muito raro para o seu tempo. Inácio chegou a ter “um colóquio” com Deus por uma semana, ficou parado sem mover um dedo. As pessoas próximas a ele sabiam que estava vivo, pois seu coração batia vagarosamente e sua respiração era baixa. Forçado a sair desse êxtase[13] havia decidido que deveria partir de Manresa e rumar até as terra em que nosso Senhor pisou: Jerusalém.
Pouco antes de sua partida e devido ao duro regime de penitência que se auto impunha. Inácio fica gravemente enfermo. O que causa uma comoção geral em toda a cidade. Inácio mesmo enfermo e fragilizado (e um tanto teimoso) quer ir para Jerusalém de qualquer forma. Entretanto ouvindo os apelos dos cidadãos que agora o admiravam e a ordem dos religiosos que lhe tinham apreço, ele resolve se cuidar.
As duas ordens religiosas que havia na cidade: Os Beneditinos (São Bento) e os Pregadores (Dominicanos de são Domingos) combinaram entre si para ordenar cuidados a Inácio. Cuidados esse que ele seguiu à risca! Cortou os cabelos e as unhas, aparou a barba e passou a utilizar uma túnica cinza de algodão, com um manto azul e um “boné”. Somente após isso foi lhe dado às bênçãos para partir. Inácio estava tão preocupado em ser Santo, que ainda “não estava permitindo que Deus fizesse dele um santo[14]”!
Quantas vezes achamos que ser radical e se abster de tudo de modo instantâneo e ou momentânea ira acabar ou sanar com todas as nossas crises? Quantas vezes tentando viver de uma maneira forçada a piedade ou uma vida virtuosa, sem nos prepararmos nem nos aprofundamos e em nossas crises não encontramos respostas? Forçamos o bem sem pensarmos nas extensões e compreensões de nossos atos.
Notem que Inácio além dos livros e da Sagrada Escritura, até esse momento de sua vida teve contato e influência de quatro ordens religiosas: os Cartuxos de São Bruno[15], os Franciscanos de São Francisco de Assis, os Beneditinos de São Bento e a Ordem dos Pregadores (Dominicanos) de São Domingos e mesmo que tivesse admiração e adquirisse conhecimento e hábitos dessas ordens. Não entrou em nenhuma... Inácio mesmo sendo mais próximo de Deus, ainda tinha muito que andar, foram várias milhas até esse peregrino chegar não o destino que ele aspirou... Mas ao que Deus traçou para ele!

Que eu aspire e opte pelo que me leva ao destino
Deus eterno, omnipotente.
Tu me criaste
Com meus irmãos para Ti,
Para te conhecermos
Para te amarmos
Para te servirmos
E umd ia chegarmos a Ti!
Tudo que estas na Terra
Tu nos deste para com Teu auxilio
Pudéssemos viver.
Segundo o Teu chamamento a nossa vocação.
Dá-me clareza para reconhecer
E que a Ti me leva
Para que eu opte e reije
O que a Ti me separa.
Para que somente anseie e opte
Pelo que mais me leva ao destino
Para qual fui criado.
Amém!
(princípios e fundamentos – Santo Inácio)

Derlei Andriotta – Minions Católicos


[1]Bento XVI orações

[2]Houais: Dicionário da Língua Portuguesa

[3]Mesmo na época de transição da Idade média para a Idade Moderna, muitos resquícios medievais ainda eram utilizados nessa época como apontam os livros Mudanças e Rumos no Ocidente Medieval (Mongelli) e o Processo Civilizador (Nobert Elias).

[4](LeGoff) O Homem Medieval

[5](Inácio) Autobiografia

[6](Inácio) Autobiografia

[7](Inácio) Autobiografia

[8](Inácio) Autobiografia

[9]Mesmo com seu pouquíssimo conhecimento teológico até então. Inácio como um visionário e íntimo de Deus, compreende que esses “espíritos” no plural se referem ao conflito entre os desejos do Espírito humano e aquilo que Deus lhe sugestiona. (Inácio) Autobiografia, (Manent) Inácio de Loyola Companheiro de Jesus.

[10](Inácio) Autobiografia

[11]Idem

[12](Plínio Solimões) Santo Inácio de Loyola o Guerreiro de Cristo

[13]Nesse período radical de sua vida, Inácio teve várias experiências de espiritualidade que lhe iriam ponderar por toda vida, foram vários êxtases com visões dos mistérios de Deus (Inácio) Autobiografia e (Plínio Solimões) Santo Inácio de Loyola o Guerreiro de Cristo


[14](Inácio) Autobiografia

[15]Primeira ordem que Inácio pensou em entrar


Comentários